quinta-feira, 26 de março de 2015


TEMA PARA SALA DE AULA: CONSUMO; LOGO, EXISTO!!!

Comprar exageradamente pode ser uma forma de aplacar angústias; muitas vezes, a compulsão é "sazonal": final de ano e férias convidam ao consumo excessivo.


Roberta de Medeiros/DEZEMBRO DE 2009


Diante de um mercado forte e diversificado, o homem da sociedade contemporânea é continuamente bombardeado por sedutoras peças publicitárias, que prometem bem-estar, status, conforto, projeção imediata e ilusão de segurança. Com a chegada das festas de fim de ano, a lógica do “consumo, logo existo”, segundo a qual o bem-estar é conquistado pela aquisição de produtos, se torna ainda mais evidente. Em casos extremos, a compulsão por compras pode se tornar patológica.


Dois psiquiatras, o alemão Emil Kraepelin (1856-1926) e o suíço Eugen Bleuer (1857-1939), foram os primeiros a escrever sobre o comprar compulsivo (ou oniomania), no início do século XX.Para os pesquisadores, levar em conta a dificuldade de controlar o impulso é elemento essencial para compreender o quadro. Eles observaram que algumas mulheres com esse diagnóstico buscavam excitação, assim como os jogadores patológicos. O tema caiu no esquecimento nos anos seguintes e foi retomado de forma mais intensa na década de 90. O transtorno, porém,ainda não é considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo a psicóloga Tatiana Filomensky, do Ambulatório dos Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas, a pessoa que sofre de compulsão experimenta uma forte ansiedade que só é aliviada quando faz a compra. “Ela não consegue controlar um desejo intrusivo e repetitivo. O ato é imediatamente seguido por intenso sentimento de alívio.” Em situações de impossibilidade de comprar podem aparecer sintomas como irritação, sudorese, taquicardia, tremor e sensação de desmaio iminente. Algum tempo depois de adquirir a nova mercadoria, porém, surge a sensação de remorso e decepção diante da incapacidade de controlar o impulso. Numa atitude compensatória, o mal-estar causado pela culpa leva a pessoa a comprar novamente, dando continuidade ao círculo vicioso.

Numa sociedade que estimula o máximo consumo e a satisfação do prazer imediato, a compulsão por compras não é notada tão prontamente pela família, diferente do que ocorre com de outras dependências, como o abuso de drogas. Por isso, quem sofre do transtorno leva muitos anos para reconhecer o caráter patológico do seu comportamento. Mas quando isso acontece, a pessoa sente vergonha por não vencer a batalha contra o impulso – e, assim, o transtorno pode ser mantido em segredo por anos a fio.

Segundo a psicóloga Juliana Bizeto, coordenadora do Ambulatório de Dependências Não Químicas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a avaliação do problema não é feita com base na quantidade de dinheiro gasto. Isso, por si só, não constitui evidência para diagnóstico, mas sim prejuízo que o comportamento pode causar na vida da pessoa, já que ela passa a negligenciar atividades sociais importantes como trabalho e família. “O que deve ser considerado é a relação do paciente com a compra. Para o compulsivo, o único prazer está no ato de adquirir, ele não pretende usufruir do objeto: é um comportamento vazio”, afirma. Há, portanto, uma restrição do prazer, um empobrecimento social e uma queda da qualidade de vida, já que a pessoa se torna apática diante de outros estímulos.”


Em sua tese de doutorado, Juliana Bizeto investiga os fatores de risco que estão envolvidos com o surgimento de dependências não químicas. Com base em dados de uma pesquisa realizada com pacientes compulsivos atendidos pelo Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), da Unifesp, ela constatou que um aspecto de grande importância é a falta de inserção social. “A pessoa que não está inserida em um grupo social, seja no trabalho, na família ou na igreja tem maior possibilidade de desenvolver algum tipo de dependência, seja por compras, jogos, sexo ou internet”, observa.

O artigo “Compulsive Buying. Demography, Phenomenology and comorbidity in 46 subjetcs”, publicado pelo periódico Gen Hosp Psychiatry em 1994, mostra que 94% dos compradores compulsivos são mulheres. Juliana ressalta, porém, que a presença do transtorno na população masculina pode estar subestimado. “Não sabemos se as mulheres são realmente as maiores vítimas ou se são as que mais frequentemente procuram o serviço de saúde. Em alguns casos, a gravidade do quadro é ainda mais acentuada nos homens porque eles demoram a buscar tratamento e, quando isso acontece, chegam ao ambulatório muito comprometidos”, ressalta.




TEMPO DE ABUSOS

Nem sempre esse comportamento se repete durante o ano todo. A pessoa também pode ter “orgias” de compras ocasionais em algumas situações, como aniversários, épocas de festas e férias. A terapeuta observa, porém, que o gasto episódico não é suficiente para confirmar um diagnóstico. “No caso da compra por hábito ou impulso, a pessoa se sente atraída pelo produto; quando se trata de compulsão há descontrole, o compulsivo simplesmente não resiste e compra”, diz a psicóloga Júnia Cicivizzo Ferreira, da Unifesp.

Ela lembra que, em geral, os adolescentes são alvos fáceis quando o assunto é o consumo exagerado. O transtorno tem início no final da adolescência, fase em que as pessoas conseguem crédito pela primeira vez, fazendo com que alguns já iniciem a vida adulta como uma dívida incalculável. As compras descontroladas feitas por adolescentes podem estar associadas ao abuso  de drogas e de álcool e ao início precoce da vida sexual. Apesar de o custo do transtorno nunca ter sido calculado, estima-se que o impulso de comprar movimente mais de US$ 4 bilhões em compras anuais nos Estados Unidos, segundo o artigo “The Influence of culture on cunsumer impulsive buying behavior”, de 2002, publicado na revista J. Consume Psycol.

Segundo Tatiana Filomensky, o comportamento compulsivo pode servir como meio de descarga para sanar angústias, raiva, ansiedade, tédio e pensamentos de desvalorização pessoal. 


Segundo ela, trata-se de um movimento aprendido. Embora não haja um “modelo”, há muitos casos de pessoas com o transtorno que tiveram pais ausentes que compensavam negligência com presentes. “Há casos, por exemplo, de pessoas que se atrasam para buscar o filho na escola e depois os compensam com doces ou brinquedos. Com isso, ensinam que objetos e produtos aplacam a tristeza; esse comportamento pode ser adotado pela criança na fase adulta.”


“Há pais que passaram por dificuldades financeiras na infância e, na melhor das intenções, tentam poupar os filhos de privações”, diz o psicólogo Luiz Gonzaga Leite, coordenador do Departamento de Psicologia do Hospital Santa Paula e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. “Isso pode comprometer a ideia de limite tornar essas crianças, adultos incapazes de suportar frustrações.”
Retirado da Revista Mente e Cérebro

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