Grandes professores: talento
natural ou treinamento?
Debate no SXSWEdu, nos EUA, questiona se ensinar é algo que se aprende ou deve ser feito por quem tem habilidade natural
Um bom
professor é aquele que nasceu com dom para lecionar ou para exercer a profissão
com louvor é preciso aprender a ensinar? Essas duas visões dividiram o palco
principal do evento sobre inovações educacionaisSXSWEdu, em Austin, nos Estados Unidos, nesta terça-feira (10) na sessão “Great
Instructors: Are They Born or Built?” (“Grandes Professores: eles já nascem
sabendo ou são construídos?”, em livre tradução).
Para apimentar o debate que
mobiliza educadores e tomadores de decisão naquele país, uma dupla com
casamento marcado – mas visões bem distintas – expôs suas convicções, como se
tivessem tendo uma conversa na cozinha de casa, cada um tentando convencer não
apenas o outro, mas toda a audiência do seu ponto de vista.
Elizabeth
Green, cofundadora da Chalkbeat, uma
ONG americana de jornalismo que trata de mudanças educacionais e autora do
best-seller “Building a Better Teacher” (“Construindo um professor melhor”, em
livre tradução), acredita que ninguém nasce sabendo ser um grande professor.
Para ela, bons educadores dominam a ciência da empatia, uma vez que além da
resposta correta, devem saber o que faz o aluno errar. “Professores são como
médicos, que diagnosticam erros, mas eles não têm apenas um aluno por vez.
Achar que eles nascem sabendo isso não é apenas um erro, mas uma temeridade,
porque os deixa solitários nessa tarefa”, afirmou.
De outro
lado, o seu namorado, David Epstein, repórter da ProPublica e também
autor de um best-seller, o “The Sports Gene” (“O gene do esporte”), defende que
pessoas com facilidade nata para tarefas difíceis, como ensinar, naturalmente
melhoram suas habilidades mais rapidamente. Sua teoria ficou famosa aplicada ao
esporte a partir de seu livro, em que ele questiona a “regra das 10.000 horas”,
segundo a qual qualquer pessoa que praticar uma habilidade por todo esse tempo
vai se tornar uma especialista. Para o jornalista, algumas pessoas aprendem
mais em menos horas. “O seu hardware não faz nada sem o software certo,
mas se você tem esse software, o seu hardware faz uma diferença enorme”,
afirmou.
O debate bem humorado teve alguns
momentos propositalmente combativos, passou por questões filosóficas,
econômicas, educacionais e relacionadas a políticas públicas dos Estados
Unidos, sugerindo bons pontos de reflexão para o desafio de qualificar
professores brasileiros. Enquanto Epstein diz que “professores mais
inteligentes formam alunos mais inteligentes”, Green, que é mais ligada à área
da educação, tentou conquistar a simpatia da plateia composta em maioria por
educadores explicando que nem sempre um matemático ensina melhor que um
professor que conhece menos da ciência dos números, mas mais da ciência de
ensinar. Também defendeu que do ponto de vista de políticas públicas essa tese
não se sustenta.
Segundo
ela, existem 3,8 milhões de professores nos EUA, número superior ao de
advogados, jornalistas, médicos e engenheiros, por exemplo. “Abrir mão
dos piores professores não resolve o problema dos que estão na média e dos que
vão entrar no mercado”, afirmou. Ela ainda acrescentou que uma experiência do
programa Teach for America,
que buscou recrutar há 20 anos os melhores alunos do ensino médio para se
tornarem professores, não surtiu resultados significativos. “Eles não se
tornaram melhores professores”, afirmou.
“O que importa não é quem é o
professor, mas o que acontece quando ele chega na sala de aula”
No Brasil, a baixa atratividade da
carreira faz com que muitos jovens que procuram a profissão sejam oriundos de
classes baixas com defasagem em sua formação, o que preocupa gestores da área,
que assim como David Epstein acreditam que para melhorar a qualidade da
educação é preciso contratar os profissionais com melhor formação cognitiva e
melhores condições de ensinar, como ocorre em países como a Finlândia e a
Coreia do Sul, cujos alunos se saem bem em testes de aprendizado. Ele também
apoiou o uso da tecnologia para que bons professores impactem mais alunos.
Contra esse argumento, Green lamenta
que a educação utilize inspirações equivocadas de outras áreas, como esporte.
Para ela, os educadores não precisam se tornar heróis como são os grandes
esportistas, mas é preciso dar a mesmo suporte para a inovação que é fornecido
aos atletas. Para ilustrar, usou o exemplo do Japão, onde “o que importa não é
quem é o professor, mas o que acontece quando ele chega na sala de aula”. “Ao contrário
daqui [EUA], em que ensinar é um ato privado, lá é público. Professores são
observados por mentores e colegas, e boas práticas são compartilhadas e
melhoradas constantemente”, contou, após uma hora de troca de opiniões, que se
não serviram para convencer ou mudar a ideia dos presentes, pelo menos ajudaram
a reforçar convicções com bons dados. Uma última pergunta da plateia ao casal
ainda mostrou que talvez nem eles não estejam em lados tão opostos: “Não seria
o caso de contratar os melhores e dar o melhor treinamento a eles?”.
A
editora do Porvir, Tatiana Klix, acompanha o SXSWedu de Austin.
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