segunda-feira, 25 de maio de 2015

Olá, professores. Segue texto extraído da bibliografia da Prova Mérito de 2015: Gatti, Bernandete A. Políticas Docentes no Brasil, um estado da arte. Brasília: Unesco, 2011. Para Lê-lo,na íntegra, clicar em:

http://unesdoc.unesco.org/images/0021/002121/212183por.pdf


NOVAS EXIGÊNCIAS AO TRABALHO DOCENTE 

Considerando as novas condições de permeabilidade social das mídias e da informática, dos meios de comunicação e das redes de relações – presenciais ou virtuais –, das novas posturas na moralidade e nas relações interpessoais, nas famílias e nos grupos de referência, impactos na socialização das pessoas são visíveis. 

As crianças ingressam nas escolas com vivências cotidianas e aprendizagens sociais prévias ou paralelas heterogêneas, com expectativas bem diferenciadas de como ocorria décadas atrás. Dois fatores podem ser considerados aqui: primeiro, nem sempre há congruência entre valores, atitudes e comportamentos que circulam nos meios de comunicação, em dada comunidade, família e escola, podendo os mesmos trazer profundas contradições entre si; segundo, os estudantes, seres em desenvolvimento, são fortemente afetados por modismos ou simbolismos criados e disseminados intensamente por diferentes formas sociais de comunicação. 

Os professores trabalham na confluência dessas contradições e simbolizações, o que caracteriza, com mais ou menos intensidade, uma situação tensional. Além disso, são instados a compreender essas crianças e jovens, motivá-los, formá- -los e ensiná-los. Cada vez mais, os professores trabalham em uma situação em que a distância entre a idealização da profissão e a realidade de trabalho tende a aumentar, em razão da complexidade e da multiplicidade de tarefas que são chamados a cumprir nas escolas. 

A nova situação solicita, cada vez mais, que esse(a) profissional esteja preparado(a) para exercer uma prática contextualizada, atenta às especificidades do momento, à cultura local, ao alunado diverso em sua trajetória de vida e expectativas escolares. Uma prática que depende não apenas de conhecimentos e de competências cognitivas no ato de ensinar, mas também de valores e atitudes favoráveis a uma postura profissional aberta, capaz de criar e ensaiar alternativas para os desafios que se apresentam (TEDESCO, 1995; TEDESCO, 2006; TEDESCO; FANFANI, 2006; GATTI, 2007). 

São disposições subjetivas que, porém, se constroem nas experiências formativas e profissionais concretamente vivenciadas e interpretadas de forma representativa com base em um dado contexto socioprofissional significativo por cada educador(a). Com respeito à dimensão subjetiva do desenvolvimento profissional do(a) professor(a), Tedesco (2005) lembra que o sentido ético e a dimensão política do trabalho docente são os dois pilares da identidade do(a) professor(a): acreditar no projeto da educação e acreditar na capacidade do(a) aluno(a). 

Nos processos educacionais, não é possível descartar as questões da subjetividade. Elas colocam-se inicialmente na relação educacional: seres humanos aprendendo com seres humanos, em condições sociais e psicossociais em uma dinâmica própria. Severino chama atenção para o fato de que a educação não pode ser vista apenas como um processo institucional (SEVERINO, 2009, p.160). É preciso ter presente que ela é uma intervenção na direção formativa do ser humano, quer pela relação pedagógica pessoal, quer no âmbito da relação social coletiva. Conforme afirma esse autor, espera-se que a educação, que é prática institucionalizada em nossa sociedade, contribua com as ações que constituem a existência histórica das pessoas e da sociedade humana, em seus três ângulos: no universo do trabalho, da produção material e das relações econômicas; no universo da sociabilidade, âmbito das relações políticas, e no universo da cultura simbólica, âmbito da consciência pessoal, da subjetividade e das relações intencionais (SEVERINO, 2009, p. 161). O(a) professor(a) é o(a) ator(atriz) que está no centro do trabalho educacional institucionalizado, envolvido indissoluvelmente nas relações educativas. 

Os processos amplos de reconhecimento social fazem-se presentes nessas relações, quer nas perspectivas e nas expectativas dos professores, quer nas dos alunos, assim como os aspectos estruturantes das sociedades em certo tempo. O cenário no qual os professores atuam e o foco e as suas formas de atuação têm demandado complexidade crescente. A essa “complexificação” da condição docente aliam-se a precarização de suas condições de trabalho no contexto comparativo do exercício de outras profissões e as dificuldades de manter condições favoráveis para autoestima e, em sua representação, criar estima social (GATTI; BARRETTO, 2009; MARIN, 2004; IMBERNÓN, 2000). Nessa complexidade, a própria constituição identitária dos docentes da educação básica coloca-se em tensão.

ESFORÇOS EMPREENDIDOS E PERMANÊNCIA DE DESAFIOS 

Nas duas últimas décadas no Brasil, esforços foram concentrados na área educacional, tendo no seu horizonte os desafios postos pelas demandas e pelas necessidades que emergiram na sociedade brasileira: necessidades de ordem social, econômica e cultural no contexto dos direitos humanos. 

Com objetivos próprios provocados por movimentos internos pela atuação de organizações civis, universidades e sindicatos, como também aliando-se às iniciativas internacionais da UNESCO na busca de propiciar educação para todos , o país, por meio de sucessivas gestões e em seus três níveis de governo, procurou aumentar os anos de escolaridade da população, investir na infraestrutura, orientar os currículos da educação básica, ampliar as oportunidades na educação superior, formar os docentes por diversos meios, deslocar a formação dos professores da educação básica do nível médio para o nível superior, desenvolver os programas de formação continuada, melhorar os livros didáticos e a sua distribuição, entre tantas outras ações políticas. 

Porém, o Brasil ainda está distante de uma qualidade educacional considerada razoável, sobretudo no que se refere às redes públicas de ensino, que atendem à maioria das crianças e dos jovens brasileiros. Vários são os fatores intervenientes nessa situação, entre eles a questão dos docentes, sua formação e suas condições de trabalho. Para a UNESCO, levar em conta a “educação como direito humano e bem público permite às pessoas exercer os outros direitos humanos. Por essa razão ninguém deve ficar excluído dela” (UNESCO, 2007, p.12). Isso implica garantir acesso à escolarização, uma escolarização que revele boa qualidade formativa, que pratique a não discriminação, que trabalhe com o paradigma da progressão dos estudantes, que desenvolva atitudes cooperativas e participativas, que tenha finalidades claras no geral e para cada um de seus níveis, que cuide dos processos de ensino e de aprendizagem, que os processos educacionais escolares tenham pertinência, que sejam significativos para todas as pessoas de diferentes estratos sociais e culturais, e com diferentes capacidades e interesses, de forma que possam apropriar-se da cultura mundial e local – e construir-se como sujeitos, desenvolvendo sua autonomia, autogoverno e sua própria identidade (UNESCO, 2007, p. 14). 

Essas posturas colocam responsabilidades novas aos docentes da educação básica e desafios para as políticas relativas à sua formação e às condições de trabalho. No documento citado, trata-se dos docentes como pessoas que se relacionam com a garantia do direito à educação. No entanto, isso só poderá ter sentido com políticas incisivas e coerentes relativas a eles: A qualidade dos docentes e o ambiente que criam na sala de aula, excluí- das as variáveis extraescolares, são fatores decisivos que explicam os resultados de aprendizagem dos alunos, o que significa que as políticas orientadas a melhorar a qualidade da educação só podem ser viáveis, se os esforços se concentrarem em transformar com os docentes, a cultura da instituição escolar. Por sua vez, sem o concurso dos professores, nenhuma reforma da educação terá sucesso. (UNESCO, 2007, p. 15) 

Ao falar de qualidade dos professores da educação básica, também se está indiretamente referindo aos gestores de escolas que, de origem, são professores. Não é de hoje que pesquisas apontam que as formas de atuação dos diretores de escola estão relacionadas às condições de um funcionamento mais efetivo das escolas (CASTRO, 1985). Isso mostra que a formação inicial dos docentes tem implicações amplas para as escolas, na medida em que também esses profissionais poderão ser convocados a exercer a função de coordenadores pedagógicos, supervisores educacionais ou diretores de escola, ou outras atividades nas redes de ensino. A compreensão desse quadro formativo pode orientar caminhos em políticas públicas dirigidas a esse segmento profissional e às instituições formadoras. Os aspectos relativos à sua formação continuada, em seus diferentes ciclos de atividade profissional, merecem cuidados específicos ante as realidades comunitárias e sociais emergentes. Disso trataremos mais adiante. 

No que diz respeito à atuação dos professores na educação básica para a superação de condições produtoras de marginalização e exclusão dentro e fora das redes de ensino, seu papel, no intuito de oferecer às crianças e aos jovens aprendizagens significativas para superar desvantagens sociais, sem dúvida, é importante. Porém, esse papel está atrelado às suas próprias condi- ções sociais e de trabalho, aí, incluídas suas características socioeconômicas e culturais, estruturas de carreira e salários, e sua formação básica e continuada. Há uma coincidência, que acaba em redundância, que se refere à condição sociocultural dos professores e às condições de vida dos alunos das redes públicas de ensino, que, muitas vezes, apresentam alguma desvantagem social. Atualmente, no Brasil, os próprios professores são provenientes de camadas sociais menos favorecidas, com menor favorecimento educacional, especialmente os que lecionam na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental, justamente no período de alfabetização (ALTOBELLI, politica_docente_APRES_2pags:Miolo_Jornalismo_Cidadao 9/23/11 11:47 AM Page 28 2008; GATTI, 2010). Essas condições comprometem o seu repertório educacional e limitam as possibilidades de criação de alternativas para lidar com os fatores de diversidade cultural. São questões que se ligam à formação inicial, à formação continuada, à necessidade de planos de carreira mais dignos e perspectivas de trabalho mais motivadoras. Há condições a superar, mesmo considerando que essas vêm sendo examinadas e discutidas mais fortemente na última década, tendo gerado políticas regionais e projetos especiais de formação docente desenvolvidos por alguns estados brasileiros. Os efeitos dessas medidas só poderão ser avaliados depois de decorrido algum tempo. São, no entanto, sinalizações positivas na direção de equalizar oportunidades formativas, de carreira e salário para esses profissionais, bem como de oferecer a eles melhor qualificação profissional, esperando-se efeitos positivos na qualidade da educação oferecida pelas escolas públicas e na atenção às crianças e aos jovens. No entanto, faz-se necessário verificar como essas iniciativas que agora se implementam são postas em ação, com o objetivo de prover continuidades ou redirecionamentos. Sua eficácia como política social e educacional necessita de análise mais acurada. 

Outro aspecto a ser considerado cuidadosamente nas perspectivas formativas de professores é o discurso da competência: competência do(a) professor(a) e competências a desenvolver nos alunos. Retomando Severino (2009), se educação institucionalizada deve ter como horizonte formação humana de modo integrado, ela transcende, embora não despreze, as questões ligadas a competências, tal como essas vêm sendo postas nas políticas públicas atuais. Porém, de acordo com Souza e Pestana (2009), o discurso, nessas políticas em que a questão de competência é analisada, subordina a educação somente às demandas socioeconômicas dos novos modelos de articulação produtiva, além de revelar uma compreensão do sujeito de forma idealizada e não situada, camuflando as contradições e desafios a serem enfrentados pelo setor educacional, especialmente na formação docente (SOUZA; PESTANA, 2009, p.133). 

Segundo essas autoras, o termo é polissêmico e presta-se a proposições em educação as mais contraditórias ou reducionistas, havendo negação da dimensão social e relacional da competência. A atuação de professores no seu trabalho, em situações em que determinadas competências são requeridas, se dá em um determinado contexto sociocultural, histórico e relacional interpessoal. As situações escolares não são “descoladas” das circunstâncias que as constituem especificamente. A crítica que Souza e Pestana fazem é que, com apoio no pressuposto desse sujeito descolado de suas circunstâncias, os sistemas educativos e as instituições educacionais, tendem a comprometer-se exclusivamente com a capacitação de pessoas isoladas, sem se responsabilizar pelas condições que os constituem como professor e como sujeitos (SOUZA; PESTANA, 2009, p. 147). E o fazem numa visão de competência descontextualizada. Consequentemente, “tal visão incide na responsabilização individual do docente pela qualidade do ensino e pela educação nacional” (SOUZA; PESTANA, 2009, p. 147). Não só processos de formação inicial ou continuada têm tomado esse pressuposto como base, como também os processos de avaliação docente, inclusive os de carreira docente, as políticas de abono salarial e os prêmios. A discussão sobre essas políticas e seus efeitos precisa ser posta, demandando uma reflexão sobre esses efeitos e sobre as propostas implementadas.


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